Mesmo sendo gratuito para o paciente, o tratamento do câncer custa cada vez mais caro para o sistema público. E quanto mais grave a doença, maior o lucro gerado. Coincidência?
O Brasil possui o maior sistema público de saúde do mundo, o SUS, que oferece tratamento gratuito para pacientes com câncer. Mas se para o cidadão o custo parece zero, para os cofres públicos a conta é cada vez mais alta — e silenciosa.
De 2019 a 2022, o número de sessões ambulatoriais caiu 52%, mas o custo médio por procedimento subiu 149%, passando de R$ 305,15 para R$ 758,93, segundo levantamento do Observatório de Oncologia.
Em alguns casos, o salto é ainda mais brutal. Dados do Instituto Oncoguia mostram que uma sessão de quimioterapia contra o câncer de mama em estágio 1 custa R$ 134,17 ao SUS. No estágio 4, esse valor sobe para R$ 809,56 — seis vezes mais.
De 2018 a 2022, o custo médio dos procedimentos oncológicos (quimioterapia, radioterapia e imunoterapia) aumentou 402%, segundo a Fiocruz. E isso sem garantia de maior acesso, menor fila ou cura mais eficaz.
Então, a pergunta que se impõe: a quem interessa essa matemática perversa?
No Brasil, os casos de superfaturamento em contratos de medicamentos são recorrentes.
Empresas farmacêuticas pressionam pela inclusão de seus produtos em protocolos públicos mesmo sem comprovação clara de superioridade. E, nos bastidores, a lógica da “indústria da doença” avança com pouco controle.
Médicos e especialistas que tentam propor alternativas mais humanas e baratas — como alimentação anti-inflamatória, suporte psicológico, acompanhamento integrativo — frequentemente não têm voz. Não dão lucro.
A saúde virou mercado. E o paciente, muitas vezes, uma oportunidade de receita.
É importante destacar: há médicos éticos, entidades sérias e projetos reais de humanização da saúde. Mas eles enfrentam uma engrenagem de cifras, onde o tratamento mais caro quase sempre é o mais promovido — não necessariamente o mais eficaz.
Enquanto isso, brasileiros esperam por uma biópsia, uma ressonância ou uma cirurgia há meses. O dinheiro está sendo gasto. Mas será que está sendo bem usado?
Na próxima matéria: “O Outro Lado da Luta Contra o Câncer” — conheça médicos e iniciativas que desafiam a lógica do lucro e propõem formas mais humanas, preventivas e transparentes de cuidar.