Entrevista Expressa: Conheça a complexidade e os avanços no tratamento da Macroglobulinemia de Waldenström com a Dra. Fernanda Borges*.
TV Saúde: Dra. Fernanda, é um prazer recebê-la. Sabemos que a Macroglobulinemia de Waldenström (MW) é uma doença hematológica rara e complexa. Para começar, poderia explicar um pouco sobre o que é a MW e qual o impacto dessa doença no organismo?
Dra. Fernanda Borges: Claro, a Macroglobulinemia de Waldenström é um tipo raro de linfoma, caracterizado pela presença de células malignas na medula óssea que produzem uma quantidade excessiva de uma proteína chamada IgM, que é uma imunoglobulina. Esse acúmulo de IgM pode levar a vários sintomas, como fadiga, problemas neurológicos e aumento do risco de sangramentos. O grande desafio da MW é que, muitas vezes, ela pode ser assintomática por anos, o que dificulta o diagnóstico precoce.
TV Saúde: Há muita especulação sobre as causas dessa doença. O que sabemos até agora sobre a etiologia da MW?
Dra. Fernanda Borges: Sabemos que a MW é associada a mutações somáticas, principalmente em dois genes: MYD88 L265P e CXCR4. No entanto, não sabemos exatamente o que desencadeia essas mutações. Pode haver fatores ambientais, como exposições a toxinas ou infecções virais, que influenciam, mas ainda não temos evidências conclusivas. Outro ponto interessante é que a MW afeta mais homens idosos brancos, mas a razão disso ainda não está totalmente esclarecida. Pode ser uma combinação de fatores genéticos, hormonais ou ambientais.
TV Saúde: E quanto à variabilidade clínica da MW? Ela tem subtipos moleculares distintos que podem influenciar o tratamento?
Dra. Fernanda Borges: Sim, a MW é uma doença muito heterogênea. Cerca de 90% dos pacientes têm a mutação MYD88 L265P, e 30-40% apresentam mutações no CXCR4. Mas não sabemos exatamente como essas mutações interagem entre si, o que pode levar a uma progressão mais rápida ou a uma resposta diferente aos tratamentos. A interação das células tumorais com o microambiente da medula óssea também pode ter um papel importante na resistência à terapia.
TV Saúde: Quais são os principais desafios quando falamos sobre a progressão da doença e os mecanismos que levam à transformação para linfomas agressivos?
Dra. Fernanda Borges: A MW pode, em raros casos, evoluir para um linfoma agressivo, como o linfoma difuso de grandes células B. No entanto, não entendemos completamente os mecanismos que desencadeiam essa transformação. Em alguns pacientes, a doença pode permanecer indolente por anos, enquanto em outros, ela progride rapidamente. Isso depende de muitos fatores, incluindo as mutações presentes e a interação com o microambiente. Estamos sempre em busca de biomarcadores que possam prever a progressão da doença, mas até agora, ainda não há um método confiável para determinar quem precisa de tratamento imediato e quem pode ser monitorado.
TV Saúde: Falando em tratamentos, a MW ainda é considerada incurável. O que está sendo estudado para mudar esse cenário?
Dra. Fernanda Borges: Atualmente, a MW é tratada com terapias que visam controlar a doença, mas ainda não temos uma cura definitiva. O tratamento com inibidores de BTK, como o ibrutinibe, tem mostrado bons resultados, mas a resistência a esses tratamentos, especialmente em pacientes com mutações no CXCR4, continua sendo um desafio. Estamos explorando terapias combinadas, como o uso de venetoclax, que inibe a proteína BCL2, e terapias celulares como CAR-T, que podem ser uma chave para avançarmos no tratamento. No entanto, é preciso mais pesquisa para entender como essas terapias podem ser combinadas de forma eficaz.
TV Saúde: Em relação a complicações não-hematológicas, como a neuropatia periférica e a amiloidose, quais os desafios em lidar com essas condições em pacientes com MW?
Dra. Fernanda Borges: A neuropatia periférica é uma das complicações mais comuns, afetando de 10 a 20% dos pacientes. Ela está frequentemente relacionada à reatividade da IgM contra glicoproteínas mielínicas, o que pode causar danos aos nervos. Isso pode ser debilitante, e o tratamento para reversão ou prevenção ainda é uma área de grande interesse. A amiloidose por IgM também é um desafio, pois apenas alguns pacientes desenvolvem depósitos de amiloide, mas os mecanismos por trás disso ainda não são totalmente compreendidos.
TV Saúde: Dra. Fernanda, para finalizar, qual é a mensagem que a senhora gostaria de deixar para os leitores da TV Saúde sobre a MW?
Dra. Fernanda Borges: A Macroglobulinemia de Waldenström é uma doença complexa e cheia de mistérios. Apesar dos avanços significativos na compreensão de sua genética e tratamentos, ainda há muito a ser descoberto. O importante é que, com o avanço da pesquisa e novas terapias em desenvolvimento, podemos melhorar a qualidade de vida dos pacientes e, quem sabe, alcançar a cura no futuro. A chave para o sucesso no tratamento é o diagnóstico precoce e a personalização das terapias conforme as características de cada paciente.
Sobre a Médica*:
Dra Fernanda Borges é Médica Hemato Oncologista da Santa Casa de Araraquara