O comércio global de corpos: ciência ou mercantilização da morte?

Publicado por: Feed News
12/09/2025 17:26:50
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O comércio de corpos não é local — trata-se de uma prática global que já alcança o Brasil. / Ilustração Cortesia Editorial Ideia
O comércio de corpos não é local — trata-se de uma prática global que já alcança o Brasil. / Ilustração Cortesia Editorial Ideia

Reportagem da BBC revela como cadáveres se tornaram mercadoria em um mercado global que movimenta milhões, expõe brechas legais e levanta questionamentos sobre dignidade na morte.

 

Quando a morte vira negócio

Em países como os Estados Unidos, doar o corpo para a ciência costuma ser visto como um gesto altruísta. Universidades e hospitais recebem milhares de inscrições de pessoas em vida que desejam ajudar na formação de médicos e no avanço científico.

 

Mas, como revelou a BBC News Brasil (link aqui), esse gesto vem sendo explorado por empresas privadas que transformaram cadáveres em mercadoria.

 

Essas companhias, conhecidas como corretores de corpos, adquirem cadáveres ou partes humanas, as dissecam e revendem para universidades, laboratórios e empresas de próteses. O resultado: um comércio internacional bilionário, envolto em denúncias de desrespeito e abuso.

 

Histórias que chocaram o mundo

O caso de Harold Dillard, ex-mecânico do Texas, tornou-se emblemático. Nos últimos dias de vida, ele aceitou doar seu corpo acreditando que estaria ajudando médicos em treinamento. Sua família recebeu apenas um pacote com supostas cinzas — enquanto a polícia descobriu sua cabeça e partes de outros 45 corpos armazenados em condições degradantes.

 

Para sua filha, Farrash Fasold, a experiência deixou marcas irreversíveis: “Eu fechava os olhos à noite e via enormes tanques vermelhos cheios de partes de corpos. Eu tive insônia, não conseguia dormir.”

 

Esse não é um episódio isolado. A investigação da Reuters em 2017 identificou 25 empresas envolvidas nesse tipo de comércio nos EUA, algumas faturando mais de US$ 12 milhões em apenas três anos.

 

Uma prática que atravessa fronteiras

O comércio de cadáveres não é restrito ao solo americano. De acordo com a jornalista Jenny Kleeman, autora do livro The Price of Life, partes humanas dos EUA são exportadas para mais de 50 países — incluindo o Brasil.

Isso ocorre porque, enquanto países da Europa, como o Reino Unido, proíbem explicitamente o lucro com cadáveres, a legislação norte-americana permite cobranças por “processamento e transporte”, criando uma brecha legal explorada por empresas privadas.
Assim, os EUA se consolidaram como o maior exportador global de cadáveres e partes humanas.

 

O dilema ético e social

Esse cenário levanta questões profundas:

  • Dignidade pós-morte: até onde vai o respeito ao corpo humano depois da vida?

  • Exploração da vulnerabilidade: famílias em luto muitas vezes são convencidas a doar sem clareza sobre o destino dos corpos.

  • Colaboração com funerárias: investigações mostram acordos em que funerárias oferecem a doação como alternativa mais barata, recebendo comissões em troca.

  • Corpos “não reclamados”: pessoas em situação de rua ou falecidas sem familiares acabam doadas automaticamente, o que levanta questionamentos sobre consentimento.

 

O lado científico

É importante reconhecer que cadáveres tiveram papel central em grandes avanços da medicina moderna. Tecnologias como próteses de joelho, marca-passos, cirurgias robóticas e técnicas complexas só foram possíveis graças a estudos em corpos reais.


Para universidades, a escassez de doações voluntárias ainda é um desafio. E muitos cientistas defendem que, sem acesso a corpos, o progresso médico seria retardado.

 

Mas até mesmo defensores da prática reconhecem: a falta de regulamentação internacional clara abre espaço para abusos.

 

Caminhos possíveis

  1. Campanhas de conscientização — assim como ocorre com a doação de órgãos, é preciso esclarecer a sociedade sobre o valor da doação de corpos e garantir transparência no destino.

  2. Regras globais — sem uma padronização internacional, a indústria seguirá operando nas brechas da lei.

  3. Tecnologia como alternativa — universidades como a Case Western Reserve já começaram a substituir cadáveres por simulações em realidade virtual, oferecendo modelos 3D anatômicos detalhados. Embora ainda não sejam perfeitos, apontam para um futuro em que a dependência de corpos pode diminuir.

 

Um alerta para o Brasil

O fato de partes humanas já terem chegado ao Brasil a partir desse comércio global deve acender um alerta. Qual é o nível de regulamentação que temos hoje? Como assegurar que corpos doados sejam tratados com dignidade e respeito?
Se não houver debate público e legislação clara, corremos o risco de ver práticas obscuras se consolidarem também por aqui.

 

Convite para o próximo artigo:
No próximo artigo da TV Saúde: “Realidade Virtual na Medicina: a tecnologia pode acabar com a necessidade de cadáveres?”

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