Mudanças que Assustam: Quando o Acolhimento Vira Insegurança
No início, parecia um sonho: carinho, almoços em família, promessas de que nada faltaria. Um quarto confortável foi providenciado, roupas de cama novas, até um projetor de parede para assistir filmes. O discurso era firme: “chega de miséria”. Mas, como ocorre em tantas histórias, o “mar de rosas” não resistiu ao tempo. Vieram os sinais de desgaste: colchão trocado por um usado, falta de alimentos básicos, medicamentos ausentes, promessas quebradas.
O mais grave, contudo, não foi a perda do conforto material. Um alerta soou: ameaças veladas de violência. Um dos filhos chegou a dizer que poderia “explodir a cozinha” em um surto. Essa instabilidade instalou o medo — e o medo, quando se trata de idosos, é também uma forma de violência.
O que diz o Estatuto do Idoso
O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) estabelece no Art. 3º que “é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.
No Art. 4º, a lei é ainda mais clara: “Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão”.
Quando há falta de alimentação, abandono afetivo ou ameaças que geram insegurança, pode-se caracterizar violência psicológica e negligência.
O Código Penal e as Ameaças
O Código Penal Brasileiro, em seu Art. 147, tipifica o crime de ameaça:
"Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave."
Pena: detenção de 1 a 6 meses, ou multa.
No caso de idosos, a situação pode ser agravada, pois além da ameaça em si, existe a vulnerabilidade da vítima, que depende do agressor para cuidados básicos.
Além disso, o abandono material também é crime. O Art. 244 do Código Penal prevê pena de detenção de 1 a 4 anos, mais multa, para quem deixar de prover a subsistência de ascendente (pais/avós) sem justa causa, quando possível fazê-lo.
Possíveis Responsabilizações
Responsabilidade civil – filhos podem ser responsabilizados judicialmente por negligência, inclusive obrigados a pagar pensão alimentícia e garantir assistência material.
Responsabilidade penal – ameaças e maus-tratos configuram crimes, passíveis de denúncia ao Ministério Público.
Medidas protetivas – o juiz pode determinar afastamento do agressor do domicílio ou fixar medidas de urgência, com base no Estatuto do Idoso.
Rede de proteção – CREAS, Defensoria Pública, Ministério Público e Delegacias de Polícia podem ser acionados em casos de violência, inclusive psicológica.
Conclusão
O caso relatado é um retrato da vulnerabilidade de muitos idosos no Brasil. Mesmo tendo investido na formação, no bem-estar e no futuro dos filhos, há quem se veja hoje diante de abandono emocional, insegurança e falta de dignidade.
É preciso lembrar: cuidar dos pais não é favor, é obrigação legal, ética e moral. O Estatuto do Idoso não existe apenas como um conjunto de letras frias, mas como uma ferramenta de proteção. E quando o afeto falha, a lei deve amparar.
Sugestão para os leitores
Se você, idoso, sente-se ameaçado, abandonado ou negligenciado, procure ajuda:
Ligue para o Disque 100 (Disque Direitos Humanos).
Procure o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) de sua cidade.
Busque a Defensoria Pública ou o Ministério Público.
A lei está do lado da dignidade.
Convite para próximo artigo sobre relatos reais da TVSaude.Org:
No próximo artigo, vamos aprofundar as formas de denunciar a violência contra idosos e mostrar como acionar a rede de proteção social de forma prática.