Por que só São Paulo conseguiu manter o Programa Bom Prato?
Um olhar sobre políticas públicas de alimentação e o direito à dignidade
A origem de um modelo exemplar
Criado em 2000, pelo então governador Mário Covas, o Programa Bom Prato nasceu com uma missão clara: garantir refeições saudáveis e de qualidade a preços simbólicos para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Desde então, o valor da refeição principal continua inalterado — R$ 1,00 o almoço ou jantar e R$ 0,50 o café da manhã.
Com 121 unidades fixas e móveis em funcionamento e 145 mil refeições servidas diariamente, o programa tornou-se referência nacional. Além da eficiência logística, destaca-se pelo acolhimento humano, característica rara em serviços públicos dessa natureza.
Por que outros estados não replicam?
A dificuldade de levar o modelo a outros estados pode ser resumida em quatro pilares:
Continuidade política:
Diferente de São Paulo, onde houve compromisso dos sucessivos governos em manter o Bom Prato, em outros estados projetos semelhantes foram abandonados a cada troca de gestão, por falta de base legal sólida ou visão de longo prazo.
Financiamento garantido:
O custo real da refeição ultrapassa R$ 5,00. O governo paulista banca a diferença e mantém o preço acessível. Estados com menor arrecadação não conseguem sustentar o subsídio de forma contínua.
Gestão compartilhada:
O Bom Prato funciona em parceria com entidades do terceiro setor, que administram as unidades com eficiência. Onde não houve integração entre governo e sociedade civil, programas de alimentação popular fracassaram.
Imagem social positiva:
Em São Paulo, frequentar o Bom Prato não é visto como vergonha, mas como direito social. Em outros estados, a estigmatização e o rótulo de “assistencialismo” afastaram usuários e enfraqueceram o modelo.
O direito à alimentação e o Estatuto do Idoso
O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) assegura, no artigo 3º, que o idoso tem direito à alimentação adequada, saúde e dignidade. O artigo 10º reforça que é obrigação do Estado garantir a efetivação desses direitos.
O Bom Prato cumpre esse papel ao priorizar idosos no horário do almoço, garantindo não apenas alimentação de qualidade, mas também respeito à sua vulnerabilidade. Essa prática deveria ser norma em todo o país, e não exceção.
Uma crítica necessária
O paradoxo é evidente: o Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, mas milhões ainda vivem em insegurança alimentar. Programas como o Bom Prato mostram que é possível, sim, oferecer refeições baratas, nutritivas e dignas.
O que falta, portanto, não é tecnologia nem conhecimento logístico, mas vontade política, planejamento de longo prazo e compromisso com os mais pobres.
Conclusão: exemplo que deveria ser regra
O Bom Prato é mais do que um restaurante popular: é uma política de Estado consolidada, que resiste a governos e crises econômicas.
Se outros estados não conseguem replicar o modelo, é porque ainda tratam a fome como um problema secundário, quando deveria ser prioridade constitucional. Afinal, como determina o artigo 6º da Constituição Federal, a alimentação é um direito social — e onde há direito, deve haver política pública eficaz.
Convite para o próximo artigo exclusino na TVSaude.Org:
No próximo artigo, vamos analisar como o Brasil pode criar uma política nacional de restaurantes populares, inspirada no modelo paulista, e quais caminhos são possíveis para transformar exceção em regra.