Um diagnóstico mal interpretado pode levar a uma cirurgia desnecessária — com riscos reais para a saúde do paciente.
Em várias especialidades, a pressa em operar esconde falhas graves de avaliação e ética clínica.
Receber um diagnóstico já é, por si só, um momento de impacto para qualquer paciente. Mas quando esse diagnóstico vem acompanhado da palavra “cirurgia”, o cenário muda completamente. Medo, insegurança e uma avalanche de dúvidas surgem. E o que deveria ser uma decisão técnica e cautelosa, muitas vezes se transforma numa imposição precipitada — que pode custar caro, física, emocional e financeiramente.
Casos como o do paciente que buscou atendimento por lacrimejamento em Américo Brasiliense, interior de São Paulo, e foi surpreendido com a indicação imediata de cirurgia de catarata, não são exceção. São sinais de um problema estrutural: a banalização das intervenções cirúrgicas e a fragilidade nos processos diagnósticos em diversas especialidades médicas.
Ao procurar uma segunda opinião, o paciente descobriu que não tinha catarata, mas sim um problema tratável no canal lacrimal — e que a cirurgia recomendada inicialmente não apenas era desnecessária como traria riscos em vão.
Falta de protocolos clínicos unificados
Muitos hospitais, principalmente os de pequeno porte, funcionam à margem das diretrizes internacionais de conduta. Médicos, muitas vezes bem-intencionados, baseiam decisões em experiências pessoais, não em evidências clínicas atualizadas. O resultado? Indicações cirúrgicas que variam conforme o profissional, e não conforme o paciente.
Desatualização e isolamento profissional
A ausência de educação médica continuada obriga o paciente a ser seu próprio “fiscal de qualidade”. Quando o médico não acompanha as mudanças nas técnicas diagnósticas e terapêuticas, perpetuam-se condutas ultrapassadas ou agressivas demais.
Falta de auditoria e revisão clínica independente
O Brasil ainda carece de um sistema eficiente onde um paciente possa submeter seu caso a uma comissão imparcial que avalie se a conduta sugerida é realmente adequada. O medo de responsabilização judicial ainda silencia muitos profissionais diante dos erros dos colegas.
Ortopedia: Lesões simples no joelho, ombro ou coluna muitas vezes acabam em indicação cirúrgica, quando poderiam ser tratadas com fisioterapia e acompanhamento clínico.
Oftalmologia: Cirurgias de catarata, pterígio e correções de retina são recomendadas até mesmo sem exames complementares aprofundados.
Ginecologia: Há relatos de mulheres que receberam indicação de histerectomia (retirada do útero) por miomas benignos e pequenos, tratáveis com medicamentos ou acompanhamento.
Urologia: Casos de hiperplasia prostática ou cálculos renais já levaram a cirurgias desnecessárias quando outras abordagens poderiam ser tentadas primeiro.
Peça sempre uma segunda opinião — principalmente se a indicação for cirúrgica imediata. Um bom profissional jamais se ofende com essa atitude.
Pergunte sobre alternativas — tratamentos clínicos, fisioterapia, reavaliação após exames mais específicos ou com prazo.
Avalie a estrutura onde a cirurgia será feita — hospitais com protocolos bem estabelecidos tendem a seguir diretrizes de forma mais segura.
Busque fontes confiáveis — nem tudo o que está na internet é confiável, mas algumas entidades (como sociedades médicas e publicações científicas) oferecem conteúdos de apoio para entender seu caso.
A medicina moderna avança na direção contrária à cultura da cirurgia imediata. Hoje se fala em medicina minimamente invasiva, baseada em evidências, com foco no bem-estar do paciente. No entanto, isso exige tempo, preparo e responsabilidade. A cirurgia deve ser o último recurso, e não a primeira reação.
Reconhecer que há pressa em operar sem real necessidade é um passo importante para devolver ao diagnóstico o valor que ele merece — e ao paciente, o direito de decidir com clareza e segurança sobre seu próprio corpo.