Exames Demais? O Risco Invisível do Excesso de Diagnósticos na Medicina Moderna
Na última década, o número de exames de imagem realizados no mundo cresceu de forma acelerada. Tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas e ecografias tornaram-se tão acessíveis e tão sensíveis que passaram a revelar detalhes do corpo humano jamais vistos antes. Embora isso pareça um avanço natural e desejável, especialistas alertam: o excesso de exames pode criar doenças que, na prática, não existiriam.
A medicina moderna, impulsionada por tecnologia, vive um paradoxo: quanto mais olhamos para dentro do corpo, mais anomalias encontramos. Mas nem toda anomalia é doença — e tratá-las indiscriminadamente pode gerar consequências graves, desgaste emocional, sequelas e custos elevados.
Quando investigar demais se torna um risco
Exames sofisticados identificam:
nódulos milimétricos,
cistos benignos,
microtumores indolentes,
alterações que nunca causariam sintomas,
achados incidentais sem relevância clínica.
Esses achados, conhecidos como incidentalomas, são tão comuns que já existe literatura científica dedicada exclusivamente ao tema. O problema é que cada imagem suspeita desencadeia uma cascata de novos exames, biópsias e até cirurgias — muitas vezes desnecessárias.
E, quando o paciente escuta a palavra “lesão”, “nódulo” ou “suspeita”, a ansiedade aumenta e a pressão por agir rapidamente cresce.
A cultura do “quanto mais, melhor” não funciona na saúde
A crença de que exames em excesso representam segurança absoluta é enganosa. Estudos mostram que, ao contrário:
Aumentam diagnósticos que nunca causariam problemas,
Geram tratamentos desnecessários,
Elevam custos pessoais e do sistema de saúde,
Criam medo, angústia e dependência de monitoramento constante,
Podem levar a sequelas permanentes decorrentes de intervenções.
É o fenômeno conhecido como sobrediagnóstico.
O impacto dos exames na epidemia de câncer em jovens
Como discutido nos primeiros artigos da série, vários tipos de câncer parecem estar “aumentando” — mas a mortalidade não está. Em grande parte, isso ocorre porque a medicina está vasculhando o corpo humano como nunca antes.
Exemplos:
Câncer de tiroide na Coreia do Sul: diagnósticos explodiram, mas mortes permaneceram estáveis.
Nódulos pulmonares detectados incidentalmente: a maioria nunca evolui para doença clinicamente significativa.
Tumores de próstata de baixo risco: frequentemente não exigem tratamento imediato.
A tecnologia está encontrando tumores que sempre existiram, mas que não precisariam ser tratados.
Por que pedimos tantos exames?
Vários fatores contribuíram para esse cenário:
✔ Medicina defensiva
Profissionais receiam processos judiciais e pedem exames “para garantir”.
✔ Pressão dos pacientes
Diante da ansiedade e do acesso à informação, muitos exigem exames mesmo sem indicação clínica.
✔ Tecnologia cada vez mais sensível
Equipamentos detectam alterações irrelevantes que, no passado, jamais seriam descobertas.
✔ Cultura de rastreamento
A ideia de que “prevenir é sempre melhor que remediar” se distorceu em alguns contextos e virou “examinar tudo, sempre”.
✔ Interpretação exagerada de queixas inespecíficas
Cansaço, dor cervical ou desconfortos leves geram investigações profundas desnecessariamente.
Qual o custo do excesso de diagnósticos?
Além do impacto emocional, o excesso de exames pode provocar:
cirurgias desnecessárias,
infertilidade,
danos a órgãos,
sequelas de biópsias,
radiação acumulada,
uso inadequado de recursos,
estigmatização do paciente como “doente” quando está saudável.
Exames são fundamentais — mas devem ser usados com critério clínico, não como rotina universal sem sintomas.
O caminho para um novo equilíbrio
A solução não é abandonar exames; é aprender quando eles realmente fazem diferença.
Especialistas defendem estratégias como:
✔ Diretrizes mais claras para exames de rotina
Evitar investigações complexas em pacientes sem sintomas.
✔ Educação do público sobre risco real vs. risco percebido
Nem todo nódulo é uma ameaça.
✔ Discussão detalhada entre paciente e médico
Explicar o porquê do exame, o que pode ser encontrado e o que significam os achados.
✔ Evitar “caçar anomalias”
Apenas examinar o que faz sentido clinicamente.
✔ Racionalizar o rastreamento
Programas de rastreamento devem ser específicos, baseados em evidências e voltados para grupos de risco.
A medicina moderna caminha para um modelo mais inteligente, guiado por dados e equilíbrio — onde encontrar mais não significa necessariamente curar mais.
No próximo conteúdo desta série, vamos aprofundar como distinguir tumores indolentes de tumores agressivos, o que a ciência já sabe sobre essa diferenciação e por que isso pode transformar a forma como tratamos o câncer no futuro.