No Canadá, enfermeiros podem solicitar exames, prescrever medicamentos e coordenar tratamentos com autonomia e respaldo legal — um exemplo de valorização profissional que o Brasil ainda precisa alcançar.
Ao contrário da imagem popular mostrada em séries médicas, o médico passa pouco tempo com o paciente. Quem permanece durante todo o dia é o enfermeiro — observando reações, monitorando sinais vitais e apoiando a recuperação.
No Brasil, as enfermeiras também acumulam várias funções. Mas no Canadá, elas têm um diferencial decisivo: autonomia profissional. Lá, o enfermeiro pode tomar decisões clínicas, solicitar exames e administrar medicamentos conforme protocolos.
Se percebe alguma alteração no estado do paciente, pode iniciar um ECG ou solicitar testes sem precisar de autorização direta do médico.
“Os médicos nos consultam. Quando fazem a visita, perguntam: ‘O que você acha que devemos fazer?’ Isso é normal aqui”, conta uma enfermeira canadense.
Em terapia intensiva, a proporção é de uma enfermeira por paciente. Somente quando o quadro é estável ela pode assumir outro caso.
Nos setores comuns, o número é controlado — cerca de quatro pacientes por enfermeira durante o dia e seis à noite —, o que garante segurança e atenção adequada.
Antes do plantão, a enfermeira recebe um relatório completo: histórico, plano terapêutico, exames, estado emocional e até hábitos alimentares do paciente. Em seguida, verifica pessoalmente todos os dados antes de iniciar o cuidado.
Nos cuidados intensivos, o uso de medicamentos PRN (“quando necessário”) é parte da rotina. O médico prescreve, mas a decisão do momento e da dose é da enfermeira, conforme avaliação dos sinais vitais.
“Se um paciente tem diabetes, verifico a glicemia e aplico a insulina necessária. Não preciso perguntar ao médico qual dose usar — há diretrizes claras”, explica.
A técnica não substitui o toque humano.
Uma enfermeira lembra de uma paciente autista que só se acalmava ouvindo música e usando seus óculos. Durante a cirurgia, a equipe respeitou isso: a mãe ficou ao lado da filha, a música tocava e a enfermeira manteve contato o tempo todo.
“Esses momentos me lembram por que escolhi essa profissão. A enfermagem não é só um trabalho, é um chamado.”
O Canadá estrutura a carreira em três categorias:
Enfermeiro Prático Registrado (LPN): curso técnico de dois anos; atende pacientes estáveis.
Enfermeiro Registrado (RN): graduação de quatro anos; coordena setores, atua em casos complexos e decide de forma autônoma.
Enfermeiro Especialista (NP): pós-graduação com certificação; pode diagnosticar, prescrever medicamentos e coordenar programas de saúde pública.
Há ainda enfermeiros em regiões remotas, onde exercem praticamente todas as funções médicas: exames, suturas, raios X, prescrição e até evacuação aérea de pacientes. O salário é mais alto e exige sensibilidade cultural para lidar com comunidades autônomas.
A jornada padrão é de 12 horas, podendo haver contratos parciais.
A remuneração varia entre US$ 40 e US$ 100 por hora — o equivalente a US$ 3.000 a US$ 8.000 mensais líquidos.
Todo enfermeiro é registrado em um conselho regulador, como a Faculdade de Enfermagem de Ontário (CNO), que fiscaliza a profissão.
A licença deve ser renovada anualmente com comprovação de educação continuada e relatório profissional, garantindo atualização constante e responsabilidade individual.
Mesmo com um modelo exemplar, o Canadá também enfrenta escassez de profissionais. Os motivos incluem sobrecarga, estresse, longos turnos e alta responsabilidade legal.
A OMS estima que, até 2035, o mundo terá déficit de mais de 12 milhões de profissionais de saúde, sendo 7,5 milhões enfermeiros e parteiras.
Essa falta de pessoal pode aumentar filas, reduzir o tempo de atendimento e elevar o risco de erros. Em áreas rurais, especialidades inteiras podem desaparecer, obrigando pacientes a viajar longas distâncias.
O Canadá mostra que respeito e autonomia profissional resultam em melhor cuidado.
No Brasil, a ausência de limites legais sobre a carga de pacientes por enfermeiro provoca sobrecarga e desvalorização.
Nos EUA, estados como Califórnia e Massachusetts fixam proporções mínimas — até 1 enfermeira para 1 paciente em UTI. Essa norma reconhece que recursos humanos não são ilimitados.
Cuidar exige tempo, preparo e confiança.
Quando o enfermeiro tem autonomia e suporte, o sistema inteiro melhora.
No próximo conteúdo da TVSaude.Org:
“A Nova Geração de Enfermeiros no Brasil: Entre a Vocação e o Esgotamento.”
Um retrato realista da rotina e dos desafios da enfermagem brasileira diante da escassez e da sobrecarga.